Acórdão: Embargos de Divergência em REsp n. 742.773-SP(2006/0042356-4).
Relator: Ministro Teori Albino Zavascki.
Data da decisão: 09.08.2006.
EMENTA: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PAGAMENTO A EMPREGADO, POR OCASIÃO DA RESCISÃO DO CONTRATO. GRATIFICAÇÃO POR LIBERALIDADE. NATUREZA. REGIME TRIBUTÁRIO DAS INDENIZAÇÕES.
1. O imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador, nos termos do art. 43 e seus parágrafos do CTN, os "acréscimos patrimoniais", assim entendidos os acréscimos ao patrimônio material do contribuinte.
2. Pagamento reconhecidamente feito por mera liberalidade do empregador, por ocasião da rescisão de contrato de trabalho, não tem natureza indenizatória. E, mesmo que tivesse, estaria sujeito à tributação do imposto de renda, já que (a) importou acréscimo patrimonial e (b) não está beneficiado por isenção. Com efeito, a isenção prevista na lei restringe-se à "indenização (...) por despedida ou rescisão de contrato de trabalho, até o limite garantido pela lei trabalhista ou por dissídio coletivo e convenções trabalhistas homologados pela Justiça do Trabalho" (art. 39 do RIR, aprovado pelo Decreto 3.000⁄99). Precedentes da 1ª Seção: EREsp 515148 ⁄ RS, Min. Luiz Fux, DJ 20.02.2006; EREsp 770078⁄SP, Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 26⁄04⁄2006; ERESP 775.701⁄SP, relator p⁄acórdão Min. Luiz Fux, julgado em 26.04.2006.
4. Embargos de divergência a que se dá provimento.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer dos embargos e dar-lhes provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Castro Meira, Denise Arruda, Humberto Martins, José Delgado, Luiz Fux e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, ocasionalmente, a Sra. Ministra Eliana Calmon.
Brasília, 09 de agosto de 2006 .
MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI
Relator
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 742.773 - SP (2006⁄0042356-4)
EMBARGANTE : FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR : JOAO BATISTA DE FIGUEREDO E OUTROS
EMBARGADO : WALDIR ANTIQUERA
ADVOGADO : JULIO ADRIANO DE OLIVEIRA CARON E SILVA E OUTROS
RELATÓRIO
EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI(Relator):
Trata-se de embargos de divergência (fls. 214⁄229) contra acórdão da 2ª Turma cuja ementa é a seguinte:
TRIBUTÁRIO – ART. 43 DO CTN – IMPOSTO DE RENDA – DEMISSÃO SEM JUSTA CAUSA – FÉRIAS E "INDENIZAÇÃO ESPECIAL" (GRATIFICAÇÃO) – VERBAS INDENIZATÓRIAS – NÃO INCIDÊNCIA.
1. O fato gerador do Imposto de Renda é a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica decorrente de acréscimo patrimonial (art. 43 do CTN). Dentro deste conceito se enquadram as verbas de natureza salarial ou as recebidas a título de aposentadoria.
2. Diferentemente, as verbas indenizatórias, recebidas como compensação pela renúncia a um direito, não constituem acréscimo patrimonial.
3. As verbas recebidas em virtude de rescisão de contrato de trabalho, por iniciativa do empregador, possuem nítido caráter indenizatório, não se constituindo acréscimo patrimonial a ensejar a incidência do Imposto sobre a Renda.
4. Agravo Regimental improvido. (fl. 210)
Sustenta a embargante que a divergência reside na incidência de imposto de renda sobre as verbas indenizatórias recebidas por liberalidade do empregador, e indica como paradigma acórdão proferido pela 1ª Turma, no RESP 644.840⁄SC, do qual fui relator, que firmou entendimento no sentido de que "o pagamento feito pelo empregador a seu empregado, a título de indenização por liberalidade, em reconhecimento por relevantes serviços prestados à empresa, não tem natureza indenizatória. E, mesmo que tivesse, estaria sujeito à tributação do imposto de renda, já que (a) importou acréscimo patrimonial e (b) não está beneficiado por isenção. Assim também, a parcela relativa a adicional de 1⁄3 sobre férias, que possui caráter de eminentemente salarial, conforme previsto no art. 7º, XVII, da Constituição".
Às fls. 263⁄270, a embargada apresentou impugnação, indicando precedentes da 2ª Turma favoráveis à tese segundo a qual a verba paga por liberalidade do empregador visa a compensar o empregado pela perda do emprego, tendo caráter nitidamente indenizatório.
É o relatório.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 742.773 - SP (2006⁄0042356-4)
EMENTA
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PAGAMENTO A EMPREGADO, POR OCASIÃO DA RESCISÃO DO CONTRATO. GRATIFICAÇÃO POR LIBERALIDADE. NATUREZA. REGIME TRIBUTÁRIO DAS INDENIZAÇÕES.
1. O imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador, nos termos do art. 43 e seus parágrafos do CTN, os "acréscimos patrimoniais", assim entendidos os acréscimos ao patrimônio material do contribuinte.
2. Pagamento reconhecidamente feito por mera liberalidade do empregador, por ocasião da rescisão de contrato de trabalho, não tem natureza indenizatória. E, mesmo que tivesse, estaria sujeito à tributação do imposto de renda, já que (a) importou acréscimo patrimonial e (b) não está beneficiado por isenção. Com efeito, a isenção prevista na lei restringe-se à "indenização (...) por despedida ou rescisão de contrato de trabalho, até o limite garantido pela lei trabalhista ou por dissídio coletivo e convenções trabalhistas homologados pela Justiça do Trabalho" (art. 39 do RIR, aprovado pelo Decreto 3.000⁄99). Precedentes da 1ª Seção: EREsp 515148 ⁄ RS, Min. Luiz Fux, DJ 20.02.2006; EREsp 770078⁄SP, Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 26⁄04⁄2006; ERESP 775.701⁄SP, relator p⁄acórdão Min. Luiz Fux, julgado em 26.04.2006.
4. Embargos de divergência a que se dá provimento.
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI(Relator):
1.Há identidade fática entre o acórdão embargado e o paradigma, que versam sobre as verbas pagas por liberalidade do empregador por ocasião da rescisão do contrato de trabalho. No acórdão embargado ficou reconhecida a não incidência do Imposto de Renda sobre tais valores, considerados de caráter indenizatório, e no acórdão paradigma decidiu-se que o pagamento realizado sujeita-se à tributação, já que importa acréscimo patrimonial e não goza de isenção. Conheço, pois, dos embargos de divergência.
2.No mérito, dou-lhes provimento, invocando, para tanto, as mesmas razões deduzidas no acórdão paradigma, de que fui relator (RESP 644.840⁄SC, 1ª Turma, DJ de 01.07.2005).
Arrolado pela Constituição Federal como de competência da União (CF, art. 153, III), o imposto sobre "renda e proventos de qualquer natureza" tem a definição de seu fato gerador definida em lei complementar (CF, art. 146, III, a), mais especificamente no art. 43 e seus parágrafos do Código Tributário Nacional, que assim dispõem:
Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
§ 1º A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção.
§ 2º Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo.
3.Entende-se por indenização a prestação em dinheiro destinada a reparar ou recompensar uma lesão causada a um bem jurídico, de natureza material ou imaterial. Os bens jurídicos, em seu aspecto essencial, comportam uma grande classificação: eles podem ser (a) de natureza patrimonial (= integrantes do patrimônio material) ou (b) de natureza não-patrimonial (= integrantes do patrimônio moral das pessoas). Todavia, qualquer que seja a sua natureza, todos os bens jurídicos estão sob a tutela do direito. Assim, quem, por ato ou omissão ilícita, violar o direito, causando prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. É o que estabelece o Código Civil, nos artigos 186 e 927, reproduzindo a norma do art. 159 do Código de 1916. Trata-se, portanto, como bem observaram Carlos Alberto Menezes Direito e Sérgio Cavalieri Filho (Comentários ao Novo Código Civil, volume XIII, RJ, Forense, 2004, p. 49), de obrigação de natureza legal, insuscetível de conformação ou condicionamento por vontade das partes. Hoje, com a expressa previsão do Código Civil (art. 186) e da Constituição (art. 5º, X) a respeito, já não se põe dúvida quanto à obrigação de reparar financeiramente também os danos morais, que, aliás, podem ser cumulados com os danos materiais decorrentes do mesmo ilícito ("São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato", diz a súmula 37⁄STJ). Há casos em que a indenização não decorre necessariamente de ato ilícito, como, v.g., as decorrentes de rescisão de contrato de trabalho. Mesmo nesses casos, ela se destina a compensar a perda de um bem (que, no exemplo, é o vínculo empregatício, bem de natureza imaterial), eis que, conforme salientou o Ministro José Delgado, em sede doutrinária, "dano tem forte vinculação com o estado de perda, de destruição, de prejuízo (...)" (Regime Tributário das Indenizações, obra coletiva, coordenador Hugo de Brito Machado, SP, Dialética, 2000, p. 152).
Pois bem, do ponto de vista da efetividade do direito, o ideal seria que, ocorrido o dano, a sua reparação fosse feita por prestação específica e in natura, isto é, mediante a exata recomposição do status quo ante. Segundo a conhecida lição de Chiovenda, deve-se garantir a quem tem direito tudo aquilo e precisamente aquilo a que tem direito (Instituições de Direito Processual Civil, tradução de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1969, vol. I, p. 46). Todavia, isso nem sempre é possível: os danos morais, por natureza, não comportam reparação específica e in natura; os danos materiais a comportam, mas nem sempre (é possível refazer um muro destruído, mas não é possível recompor a autenticidade da Taça Jules Rimet transformada em barra de ouro ou um quadro de Di Cavalcanti transformado em cinzas). Mesmo quando possível, nem sempre a prestação in natura é a solução adequada, permitindo a lei a conversão em pecúnia (v.g., arts. 627 e 633 do CPC).
Ora, aquilo que geralmente se entende por indenização é a prestação em dinheiro, substitutiva da prestação específica, destinada a reparar ou recompensar o dano causado a um bem jurídico, quando não é possível ou não é adequada a restauração in natura. Não tem natureza indenizatória, sob esse aspecto, o pagamento, ainda quando feito por força de sentença judicial, correspondente a uma prestação que originalmente (= antes e independentemente de ocorrência de lesão) era devida em dinheiro (v.g., pagamento por horas extras trabalhadas, de adicional noturno, de gratificações, 13º salário). Em tal caso, o que há, simplesmente, é o adimplemento in natura da obrigação, ainda que fora do prazo ou mediante execução forçada.
4.Todavia, ainda quando se trata de prestação tipicamente indenizatória, o seu pagamento não está, só por isso, automática e necessariamente fora do campo da tributação. Conforme decorre do art. 43 do CTN, não apenas as rendas, genericamente consideradas, mas também os acréscimos patrimoniais de qualquer natureza configuram fato gerador do imposto de renda. Portanto, quando se trata de valores de natureza indenizatória, a configuração ou não de hipótese de incidência tributária tem como pressuposto fundamental o da existência ou não de acréscimo patrimonial. "A chave", diz James Marins, "está na existência jurídica (constitucional e legal) de incremento patrimonial, i. é, acréscimo consubstanciado em renda ou proventos de qualquer natureza" (Regime Tributário das Indenizações, obra coletiva, coordenador Hugo de Brito Machado, SP, Dialética, 2000, pp. 142⁄3). Nesse sentido, é praticamente unânime a doutrina, assim resumida por Hugo de Brito Machado:
"É possível, portanto, afirmar-se que a indenização, quando não consubstancie um acréscimo patrimonial, não enseja a incidência do imposto de renda, nem da contribuição social sobre o lucro. Certamente a incidência, ou não, desses tributos, depende da natureza do dano a ser reparado, pois é a partir da natureza desse dano que se pode concluir pela ocorrência, ou não, de acréscimo patrimonial. (...) A indenização por dano patrimonial pode ensejar, ou não, um acréscimo patrimonial. Isto depende do critério de sua fixação. Se fixada a indenização mediante a avaliação do dano, evidentemente não se pode falar em acréscimo patrimonial. A indenização neste caso apenas repara, restabelecendo a integridade do patrimônio. É possível, porém, que em se tratando de indenização cujo valor seja previamente fixado em lei, ou em contrato, ou resulte de acordo de vontades, ou de arbitramento, termine por implicar um acréscimo patrimonial. Neste caso, sobre o que seja efetivamente um acréscimo patrimonial incidirão os tributos que tenha neste o respectivo fato gerador". (Hugo de Brito Machado, Regime Tributário das Indenizações, obra coletiva, coordenador Hugo de Brito Machado, SP, Dialética, 2000, p. 108).
No mesmo sentido, na mesma obra: Gisele Lemke, p. 83; Hugo de Brito Machado Segundo e Paulo de Tarso Vieira Ramos, p. 124; Fábio Junqueira de Carvalho e Maria Inês Murgel, p. 74. Também nesse sentido: Leandro Paulsen, Direito Tributário – Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência, 5ª ed., Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2003, p. 655.
5.Ao se referir a acréscimo patrimonial, o CTN, no seu art. 43, está se referindo ao patrimônio material apenas, e não ao patrimônio moral. Esclarece, a propósito, Hugo de Brito Machado:
"No âmbito do imposto de renda, em nosso sistema jurídico-tributário, os conceitos de patrimônio e de renda são rigorosamente conceitos econômicos, de natureza material. Não há patrimônio moral, para fins tributários, nem o imposto de renda incide sobre algo que tenha apenas valor moral. O tributo é prestação pecuniária e incide sobre riqueza expressa em moeda. (...) O patrimônio, em sentido amplo, compõe-se de elementos materiais e pecuniários, e de elementos imateriais, ou de valor apenas moral (...). Em sentido estrito, porém, como é concebido no Direito Tributário, o patrimônio compõe-se apenas de elementos materiais, de valor pecuniário. Não integram o patrimônio, para fins tributários, os elementos de valor exclusivamente moral, ainda que eventualmente possam ser convertidos em elementos de valor econômico. (...) O direito ao lazer, do qual é manifestação o direito à licença prêmio, ou às férias, é direito que não integra o patrimônio, no sentido estrito que lhe atribui o Direito Tributário. Direito de conteúdo moral pode, é certo, ter esse conteúdo convertido em pecúnia, pelo recebimento da indenização, que neste caso é induvidoso auferimento de renda, vale dizer, acréscimo patrimonial, ou acréscimo do patrimônio, no sentido que lhe atribui o Direito Tributário." (Temas de Direito Tributário, RT, 1994, p. 197⁄199).
Considerado o sentido estrito de patrimônio, o pagamento de indenização, já se percebe, pode ou não acarretar acréscimo patrimonial, dependendo da natureza do bem jurídico a que se refere. Quando se indeniza dano causado ao patrimônio material, o pagamento em dinheiro simplesmente reconstitui a perda patrimonial ocorrida. Nesses casos, evidentemente, a indenização não tipifica fato gerador de imposto de renda, já que não acarreta aumento no patrimônio. Todavia, ocorre inegavelmente acréscimo patrimonial quando a indenização por dano material se destina, não apenas a recompor um prejuízo já ocorrido (= dano emergente), mas também a compensar o ganho que deixou de ser auferido (= lucro cessante). Da mesma forma, há acréscimo patrimonial quando o valor pago a título de indenização é maior do que o dos danos ocorridos (v.g., quando, além da indenização propriamente dita, há pagamento de multa).
Por outro lado, quando a indenização se refere a dano causado a bem jurídico imaterial (= dano que não importou redução do patrimônio material), o pagamento (= entrega de dinheiro, bem material) acarreta, natural e necessariamente, um acréscimo ao patrimônio material e, portanto, configura fato gerador do imposto de renda.
Em suma: a indenização que não acarreta acréscimo patrimonial é apenas aquela que se destina a recompor o dano material efetivamente causado pela lesão (= dano emergente ao patrimônio material). Relativamente a ela, não se configura fato gerador do imposto de renda. Todavia, acarreta acréscimo patrimonial (e, portanto, constitui fato gerador do imposto de renda) a indenização (a) por danos ao patrimônio imaterial (= moral), ou (b) referente a lucros cessantes ou (c) em valor que exceda o da redução patrimonial causada pela lesão.
Veja-se o que, a propósito, ensina a doutrina especializada:
"É preciso distinguir a indenização por dano material da indenização por dano moral. Nesta, parece difícil deixar-se de reconhecer a existência de acréscimo patrimonial. É que, ainda que se fale em indenização, ingressa no patrimônio montante (normalmente em dinheiro) que nele não existia. O patrimônio, já se viu, contém apenas relações jurídicas de caráter econômico e suscetíveis de avaliação pecuniária. A indenização por dano moral, apesar de feita em dinheiro, diz respeito à lesão de bens sem caráter econômico e insuscetíveis de avaliação pecuniária. Os valores que ingressam em razão desse tipo de indenização, não vêm recompor o patrimônio, mas somente compensar ou minorar o sofrimento da pessoa 'indenizada'. Se assim não fosse, estar-se-ia diante de indenização por dano material. Por conseguinte, esses valores constituem acréscimo patrimonial para a pessoa que os recebe, já que não constavam antes de seu patrimônio. Isso não significa que não possam existir outros valores constitucionais que os resguardem de tributação. Muitas vezes, isso acontece. Mas, de qualquer forma, esses valores constituem acréscimo patrimonial, do que se conclui que eles só não serão tributados se houver outros princípios ou valores constitucionais que o impeçam. Quanto à indenização por dano material, há que se distinguir o dano emergente do lucro cessante. Ensina Orlando Gomes que 'O dano emergente é representado pela diminuição patrimonial, seja porque se depreciou o ativo, seja porque aumentou o passivo. Lucro cessante é a frustração da expectativa de ganho.' (Obrigações, p. 86). Verifica-se, então, que somente a indenização por dano emergente recompõe o patrimônio. Aquela por lucro cessante representa o pagamento daquilo que presumivelmente teria sido ganho pela vítima, se o dano não houvesse ocorrido. Essa parcela de indenização não recompõe o patrimônio, uma vez que tal valor ainda não existia ainda no patrimônio do indenizado no momento do dano. Em outras palavras, se o dano não houvesse ocorrido, esse ganho provavelmente teria sido acrescido ao patrimônio da vítima. Nesse caso, ela teria pago IR sobre ele (o ganho), porque se trataria de acréscimo patrimonial. Ora, se esse ganho é recebido a título de indenização por lucros cessantes, não se vê como possa deixar de ser considerado acréscimo patrimonial. Trata-se do mesmo ganho, apenas recebido por outra via." (Gisele Lenke, Imposto de Renda – Os Conceitos de Renda e de Disponibilidade Econômica e Jurídica, São Paulo, Dialética, 1998, p.75.)
"Se o objeto da indenização é o elemento moral, porque a ação danosa atingiu precisamente o patrimônio moral, não há dúvida de que o recebimento de indenização implica evidente crescimento do patrimônio econômico e, assim, enseja a incidência dos tributos que tenham como fato gerador esse acréscimo patrimonial. (...) Também em se tratando de indenização por lucro cessante é inegável a ocorrência do crescimento patrimonial. Os lucros são acréscimos patrimoniais, e como tais são tributáveis." (Hugo de Brito Machado, Regime Tributário das Indenizações, cit., p. 109.)
"Nos termos do art. 43 do CTN constituem hipóteses de incidência do imposto de renda a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de: I - renda, assim entendida o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior. Em todas essas hipóteses o elemento nuclear é o acréscimo patrimonial, sem o qual não se há de cogitar da incidência de tal imposto, pois inexistiria renda a tributar. Pelo próprio conceito de indenização tem esta a finalidade de recompor o patrimônio lesado na mesma proporção dos danos sofridos, de sorte a devolvê-lo ao estado em que se encontrava antes da lesão. Em assim ocorrendo, resulta evidente que nenhum acréscimo patrimonial se verifica de modo a tornar mais rico o titular da indenização. Nenhuma renda recebe ele com os valores respectivos. Isso sempre ocorre quando se trata de indenização por dano material, excluídos os lucros cessantes que, estritamente considerados, representam acréscimo patrimonial, por serem diferença entre o que teria sido despendido e o que teria sido recebido pela vítima, não fosse o dano sofrido. Por outro lado, é de se ponderar que a incidência do imposto de renda sobre os valores representativos da indenização por danos materiais reduziria o seu montante, frustrando sua precípua finalidade, que é tornar indene o patrimônio, isto é, cabalmente reparado. Esse entendimento, aliás, já norteava as primeiras decisões do Supremo Tribunal Federal, logo que chamado a manifestar-se sobre a incidência do imposto de renda nas desapropriações (...). Diversamente se passa em se tratando de indenização por dano moral sem repercussão econômica, porque, nesse caso, o favorecido com seus valores terá aumentado seu patrimônio. Já se do dano moral adveio alguma repercussão econômica, outra coisa não sendo esta que danos materiais emergentes daquele, a reparação pecuniária que os ressarcir, não significando acréscimo patrimonial, deverá ficar ao largo da incidência do imposto de renda, sempre que for possível quantificá-lo ou indenizar em separado. Se, porém, não é possível a quantificação da repercussão econômica e da correspondente indenização, e sendo esta estabelecida unitariamente por arbitramento, como reparadora do dano moral apenas, o imposto de renda será devido, pois, nesse caso, o reflexo econômico da ofensa à honra tem a feição de lucros cessantes presumidos." (Hugo de Brito Machado Segundo e Paulo de Tarso Vieira Ramos, Regime Tributário das Indenizações, cit., pp. 124-125)
"Partindo-se, assim, do conceito de indenização como reparação pecuniária pelo dano sofrido em seu patrimônio material ou moral, resta analisar os efeitos tributários gerados por este pagamento. Assim, se uma pessoa é indenizada pela perda material causada por outrem, não estará adquirindo patrimônio ou riqueza novos, mas tão-somente recompondo aquele patrimônio lesado. Portanto, não há que se falar em tributação dessa quantia pelo imposto de renda, porquanto não representa lucro, ou rendimento. Tal posição, que é aceita com tranqüilidade pela Doutrina e pela Jurisprudência, decorre da definição do fato gerador do imposto de renda, que entendemos ser o acréscimo patrimonial, assim considerado os ingressos que venham a representar riqueza nova, ou seja, aumento de patrimônio. A situação diverge quando se trata de indenização por lucro cessante. Nesse caso, a indenização visa ressarcir o lesado pela impossibilidade de o mesmo obter ganhos aos quais faria jus não posse pelo dano havido. Assim, caso não sofresse o dano moral ou material, a vítima do dano iria auferir danos patrimoniais que, naquela condição, seriam tributados. Ora, a indenização pelo lucro cessante consiste, justamente, em proporcionar ao lesado o benefício a que teria direito. Por tal razão, essa quantia deverá ser tributada pelo imposto de renda, da mesma forma que seria caso a ofensa não sobreviesse. A indenização por dano moral, embora não se assemelhe à indenização por lucros cessantes, não visa recompor patrimônio, mas amenizar o constrangimento moral. Portanto, trata-se de ingresso novo, que irá acrescer ao patrimônio da vítima e, por conseguinte, deverá ser tributado, a menos que outros princípios ou valores constitucionais impeçam a tributação." (Fábio Junqueira de Carvalho e Maria Inês Murgel, Regime Tributário das Indenizações, cit., pp. 74-76)
6.Compõem o patrimônio imaterial não apenas os bens e valores de natureza estritamente moral (= os relacionados à dignidade humana), mas todos os bens e direitos cuja satisfação in natura é realizada mediante prestação não-patrimonial. São dessa natureza, entre outros, os direitos do patrimônio físico e intelectual, os de imagem, e, em geral, todos os direitos do patrimônio profissional cuja satisfação é representada por prestações não pecuniárias (direito a férias, a licença-prêmio, a descanso, a estabilidade). Lesados tais direitos e não sendo possível, material ou juridicamente, a sua restauração específica e in natura, dá-se a reparação mediante indenização pecuniária, com o que o bem lesado, originalmente integrante do patrimônio imaterial, é substituído por prestação em dinheiro, que vai agregar-se ao patrimônio material, acarretando-lhe, como demonstrado, um natural e necessário acréscimo. Tipifica-se, conseqüentemente, o fato gerador do imposto de renda, nos termos do art. 43 do CTN.
7.Tipificado o fato gerador, enseja-se, teoricamente, o nascimento da obrigação e do crédito tributário. Atento a essa circunstância, o legislador tratou de criar normas de isenção para várias espécies de prestações indenizatórias, que, segundo seu juízo político, mereciam tal benefício. Assim, no art. 39 do Regulamento do Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza, aprovado pelo Decreto 3.000, de 31.03.99, que arrola os rendimentos isentos e os não tributáveis, vários dos incisos reproduzem hipóteses de indenizações beneficiadas por isenção, a saber:
"(...)
Indenização Decorrente de Acidente
XVI - a indenização reparatória por danos físicos, invalidez ou morte, ou por bem material danificado ou destruído, em decorrência de acidente, até o limite fixado em condenação judicial, exceto no caso de pagamento de prestações continuadas;
Indenização por Acidente de Trabalho
XVII - a indenização por acidente de trabalho (Lei nº 7.713, de 1988, art. 6º, inciso IV);
(...)
Indenização por Desligamento Voluntário de Servidores Públicos Civis
XIX - o pagamento efetuado por pessoas jurídicas de direito público a servidores públicos civis, a título de incentivo à adesão a programas de desligamento voluntário (Lei nº 9.468, de 10 de julho de 1997, art. 14);
Indenização por Rescisão de Contrato de Trabalho e FGTS
XX - a indenização e o aviso prévio pagos por despedida ou rescisão de contrato de trabalho, até o limite garantido pela lei trabalhista ou por dissídio coletivo e convenções trabalhistas homologados pela Justiça do Trabalho, bem como o montante recebido pelos empregados e diretores e seus dependentes ou sucessores, referente aos depósitos, juros e correção monetária creditados em contas vinculadas, nos termos da legislação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS (Lei nº 7.713, de 1988, art. 6º, inciso V, e Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, art. 28);
(...)
Indenização Reparatória a Desaparecidos Políticos
XXIII - a indenização a título reparatório, de que trata o art. 11 da Lei nº 9.140, de 5 de dezembro de 1995, paga a seus beneficiários diretos"; (...).
Em todos esses casos, é indevido o imposto de renda, não pela inexistência de fato gerador (eis que acréscimo patrimonial ocorreu), e sim porque há hipótese de exclusão do crédito tributário por via de isenção.
8.No caso concreto, as verbas sobre as quais se pretende ver reconhecida a incidência do IR são as referentes ao pagamento da gratificação por liberalidade, recebidas em razão da extinção do contrato de trabalho. Tais verbas não têm natureza indenizatória. Elas sequer decorrem de uma obrigação, já que se trata de pagamento espontâneo. E, mesmo que indenização fosse, ainda assim o pagamento estaria sujeito à tributação do imposto de renda, já que (a) importou acréscimo patrimonial e (b) não está beneficiado por isenção. Com efeito, a lei isenta de imposto de renda "a indenização (...) por despedida ou rescisão de contrato de trabalho, até o limite garantido pela lei trabalhista ou por dissídio coletivo e convenções trabalhistas homologados pela Justiça do Trabalho" (art. 39, XX, do RIR, aprovado pelo Decreto 3.000⁄99). Assim, deve ser reformado o acórdão recorrido para se fazer incidir o imposto de renda sobre tal parcela.
Nesse sentido, são os mais recentes julgados da 1ª Turma (v.g.: REsp 770.042⁄SP, DJ de 07⁄11⁄2005; REsp 765.498⁄SP, DJ de 07⁄11⁄2005; REsp 766.045⁄RJ, DJ de 17⁄10⁄2005; REsp 765.076⁄SP, DJ de 17⁄10⁄2005; REsp 644.840⁄SC DJ 01⁄07⁄2005; REsp 637.623⁄PR, DJ de 06⁄06⁄2005; REsp 742.848⁄SP, DJ de 27⁄06⁄2005; REsp 775.701⁄SP, DJ de 07⁄11⁄2005), bem como desta 1ª Seção (EREsp 515148 ⁄ RS, Min. Luiz Fux, DJ 20.02.2006; EREsp 770078⁄SP, Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 26⁄04⁄2006).
9. Pelas considerações expostas, dou provimento aos embargos de divergência, julgando improcedente o pedido feito na inicial. As custas ser deverão ser suportadas pelo impetrante. Sem honorários advocatícios (Súmula 105⁄STJ). É o voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
PRIMEIRA SEÇÃO
Número Registro: 2006⁄0042356-4 EREsp 742773 ⁄ SP
Números Origem: 200161000114448 200401708305 200403000530340 200500626391 248944
PAUTA: 09⁄08⁄2006 JULGADO: 09⁄08⁄2006
Relator
Exmo. Sr. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro FRANCISCO FALCÃO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. FLAVIO GIRON
Secretária
Bela. Carolina Véras
AUTUAÇÃO
EMBARGANTE : FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR : JOAO BATISTA DE FIGUEREDO E OUTROS
EMBARGADO : WALDIR ANTIQUERA
ADVOGADO : JULIO ADRIANO DE OLIVEIRA CARON E SILVA E OUTROS
ASSUNTO: Tributário - Imposto de Renda - Pessoa Física - Verbas Indenizatórias
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia PRIMEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Seção, por unanimidade, conheceu dos embargos e deu-lhes provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator."
Os Srs. Ministros Castro Meira, Denise Arruda, Humberto Martins, José Delgado, Luiz Fux e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, ocasionalmente, a Sra. Ministra Eliana Calmon.
Brasília, 09 de agosto de 2006
Carolina Véras
Secretária
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. STJ - Civil. Atos ilícitos. Indenização. Conceito e classificação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 abr 2008, 14:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Jurisprudências /13484/stj-civil-atos-ilicitos-indenizacao-conceito-e-classificacao. Acesso em: 28 nov 2024.
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